domingo, 23 de março de 2008

Pesquisa com Células Embrionárias


A PESQUISA COM CÉLULAS EMBRIONÁRIAS:

O DIREITO DE VIVER E SOBREVIVER

Mesmo o Brasil sendo um País laico, uma República não teocrática vivenciamos, por várias vezes, a religião se confundindo com o Estado.

Um dos mais célebres exemplos desta afirmativa foi quando da discussão da Lei nº 6.515/77 a famosa Lei do Divórcio. O Projeto de Lei foi de autoria Senador Nelson Carneiro, um grande defensor do Divorcio como instrumento a favor da mulher que permanecia prisioneira de uma sociedade arcaica e retrógrada, onde exercia um papel dentro da unidade familiar apenas doméstico.

O debate sobre o divórcio no Brasil não estava centrado somente em torno de concepções distintas de “casamento”, mas se concentrava também na relação entre Estado e Igreja. Nesse sentido, a introdução do divórcio representou simultaneamente uma mudança na legislação sobre família e uma “pseuda” separação entre a Igreja e Estado.

Hoje com a discussão da Lei de Biossegurança, notadamente no dispositivo que regulamenta o uso de células embrionárias, vivenciamos novamente, o embate entre “Igreja” e Estado, malgrado o tema deveria trilhar por outros caminhos.

Entendemos que a Lei de Biossegurança, um Projeto de Lei amplamente discutido com vários setores da sociedade, especialmente no tocante ao uso de embriões humanos em pesquisa com células-tronco, deveria ser tratado no mérito, afinal esta parte da lei nos parece bastante clara. Veja o que prevê o artigo 5º da Lei nº 11.105/05:

“Art. 5º É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições:

I – sejam embriões inviáveis; ou

II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento.

§ 1º Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores”.

Depreendemos deste dispositivo que somente serão utilizados embriões inviáveis ou aqueles congelados há mais 3 anos, ou seja, serão utilizados, para salvar vidas, apenas embriões que seriam, literalmente, jogados na lata de lixo.

No Entanto, para alguns setores da sociedade, especialmente a “Igreja” existe um argumento central que é compartilhada pelo Procurador-Geral da República Cláudio Fonteles, autor da Ação Direta de Inconstitucionalidade- ADI 3110 - da Lei de Biossegurança, de que a permissão contida no dispositivo da Lei para a realização de pesquisas e terapias utilizando as células-tronco embrionárias - fere o direito constitucional à vida, ou seja, para estas entidades o artigo 5º da citada Lei, propõe tirar a vida de um ser para “tentar” salvar outro.

Temos consciência de que esta discussão passa sim por vários aspectos, entre eles o político, moral, legal e religioso. Neste sentido e corroborando nossa tese, valemo-nos do brilhante discurso do respeitado Senador Cristóvam Buarque do PDT/DF que disse: “a primeira razão de minha posição é política. O Brasil é um País laico. A gente não pode deixar que uma das religiões professadas no Brasil, que é a minha, [e deste autor também] domine o conjunto da sociedade brasileira. Temos de ter liberdade. Os “Adventistas do Sétimo Dia” não aceitam transfusão de sangue. Morrem, mas não recebem transfusão de sangue. Mas eles não tentam impor isso ao resto dos brasileiros”.

A segunda razão levantada pelo senador é a questão moral, neste aspecto e com o mesmo brilhantismo ele disse: “pessoalmente, sei que a moral varia, mas não consigo entender por que considerar imoral e indecente o fato de se utilizar para pesquisa embriões fertilizados, in vitro, há mais de três anos.

Não entendo por que isso é considerado crime contra a vida. Todos os cientistas dizem que, depois de o embrião permanecer esse tempo fertilizado e congelado, é impossível dali surgir uma vida; é impossível dali florescer uma vida. Estou falando do uso de um embrião congelado há pelo menos 3 anos e que foi sobrante da tentativa de gestar uma vida. Se houve erro moral, ele ocorreu com a fertilização in vitro e não com o uso destes embriões”.

A terceira razão colocada pelo Senador é com relação aos aspectos religiosos: disse ele: “é a idéia de que o direito à vida não pode ser apenas o direito de nascer; tem de haver o direito de nascer e de viver. E muitas pessoas poderão viver se essas pesquisas forem adiante. Vejo um imenso movimento hoje em nome do direito à vida, para não permitir o uso dos embriões. Quero ver um movimento para dar qualidade de vida, para dar sobrevivência pelo uso dessas pesquisas”.

Quanto ao argumento científico e legal, pedimos vênia para citar o festejado Ministro Ayres Britto Relator da citada ADI que em seu fundamentado Parecer sustentou a tese de que para existir vida humana, é preciso que o embrião tenha sido implantado no útero humano. Segundo o Jurista , “o zigoto (embrião em estágio inicial) é a primeira fase do embrião humano, a célula-ovo ou célula-mãe, mas representa uma realidade distinta da pessoa natural porque ainda não tem cérebro formado. Continuando o Ministro sustentou: “O zigoto não pode antecipar-se à metamorfose. Seria além de si mesmo para ser outro ser”. Ele citou como exemplo a relação entre a chuva e a planta, a crisálida e a lagarta. “Ninguém afirma que a semente já é planta ou que a crisálida é uma borboleta. Não há pessoa humana embrionária, mas um embrião de pessoa humana. Esta sim, recebe tutela constitucional, moral, biográfica, espiritual, é parte do todo social, medida de todas as coisas A lei não permite retirar o embrião do útero. Permite, sim, o uso de embriões criados artificialmente".

Diante destes ensinamentos, e fazendo coro com 89% da população, segundo o IBOP, entende este articulista leigo e para alguns “atrevido”, que não há que se falar que a lei de biossegurança fere o direito à vida, ao contrário, a proposta é claramente pela vida e o direito de muitos cidadãos sobreviverem.

Odilon de Mattos Filho

odilondemattos@ig.com.br

Andrelândia/Mg

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